Silke Helfrich e David Bollier. Abertura de Rodrigo Savazoni. Outras palavras, 26 de novembro de 2021. Tradução de Vitor Costa.
Na manhã de terça-feira (16), o perfil no Twitter da ativista e pesquisadora alemã Silke Helfrich comunicou que, dia 10 de novembro, durante uma caminhada por uma montanha em Liechtenstein, ela sofreu um acidente e faleceu. Silke tinha 54 anos e era uma das mais profícuas teóricas do comum, com textos publicados em vários idiomas, sendo o último deles “Free, Fair and Alive”, de 2018, escrito em parceria com David Bollier.
Nós, do Instituto Procomum, havíamos acabado de avançar num acordo com ela e David para publicar a tradução deste seu último livro, numa ação em parceria com o Outras Palavras e a Editora Elefante. Há pouco mais de um mês, nos reunimos para tratar dos termos dessa parceria, que, além de traduzir e publicar o livro, pretendia promover, em 2022, debates presenciais no Brasil, se possível com esses autores cuja obra exerce grande influência em nosso trabalho.
Silke não tem livros traduzidos para o português. Em “O Comum entre Nós”, eu a cito muitas vezes, em especial no último capítulo onde apresento um quadro por ela desenvolvido que compara a economia neoliberal e a economia do comum. Uma de suas principais virtudes – e preocupações – era popularizar a ideia do comum (dos commons), para que mais ativistas e pesquisadores pudessem compreender e se utilizar dessa lente para compreender e transformar o mundo.
Formada em literatura e pedagogia pela Universidade Karl Marx, em Leipzig, Silke atuou pela Fundação Heinrich Böll. Entre 1999 e 2007, ela coordenou o escritório da fundação para América Central, Cuba e México. Foi quando tomou contato com o conceito do comum, que se tornou central em sua vida e nos projetos ativistas e acadêmicos aos quais passou a se dedicar desde então.
Escreveu uma série de livros, entre eles duas obras seminais também com David Bollier: The Wealth of the Commons beyond Market and State (2012) e Patterns of Commoning (2015). A última entrada em seu blog, escrito em alemão (https://commons.blog/), data de 21 de setembro de 2021.
A morte de Silke é uma enorme perda para o movimento comuneiro internacional. Que ela nos inspire a seguir buscando um mundo mais justo e igualitário entre todes. (Rodrigo Savazoni)
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Introdução de
Comum: Livre, Justo e Vivo
Este livro se propõe a superar uma epidemia de medo com uma onda de esperança baseada na realidade. Enquanto nos permitirmos ser aprisionados por nossos medos, nunca encontraremos as soluções de que precisamos para nos ajudar a construir um novo mundo. Claro, temos muitos bons motivos para temer – a perda de nossos empregos, o governo autoritário, os abusos corporativos, o ódio racial e étnico. Acima de tudo está o aquecimento da Terra, uma ameaça existencial para nossa própria civilização. Assistimos espantados as sondas espaciais detectarem água em Marte enquanto as autoridades lutam para encontrar água potável para as pessoas na Terra. As tecnologias poderão, em breve, permitir que as pessoas editem os genes de seus filhos por nascer como um texto em um computador, mas os meios para cuidar dos doentes, idosos e sem-teto permanecem indefinidos.
O medo e o desespero são alimentados por nossa sensação de impotência, a sensação de que nós, como indivíduos, não podemos alterar as trajetórias atuais da história. Mas nossa impotência tem muito a ver com a forma como concebemos nossa situação: como indivíduos, sozinhos e isolados. O medo e nosso esforço compreensível pela segurança individual estão atrapalhando nossa busca por soluções coletivas e sistêmicas, as únicas que realmente funcionarão. Precisamos reformular nosso dilema da seguinte forma: O que podemos fazer juntos? Como podemos fazer isso fora das instituições convencionais que estão falhando conosco?
A boa notícia é que inúmeras sementes de transformação coletiva já estão brotando. Brotos de esperança podem ser vistos nas fazendas agroecológicas de Cuba e nas florestas comunitárias da Índia, nos sistemas comunitários de Wi-Fi na Catalunha e nas equipes de enfermagem dos bairros na Holanda. Elas estão surgindo em dezenas de moedas locais alternativas, novos tipos de plataformas da web para cooperação e campanhas para recuperar cidades para as pessoas. A beleza de tais iniciativas é que atendem nossas necessidades de maneira direta e empoderadora. As pessoas estão se preparando para inventar novos sistemas que funcionem fora da mentalidade capitalista, para benefício mútuo, com respeito pelo planeta Terra e com um compromisso com o longo prazo.
Em 2009, um grupo de amigos em Helsinque assistia frustrado ao fracasso de outra cúpula internacional sobre mudança climática. Eles se perguntaram o que eles próprios poderiam fazer para mudar a economia. O resultado, depois de muito planejamento, foi uma “troca de crédito” na vizinhança, na qual os participantes concordam em trocar serviços entre si, desde traduções de idiomas e aulas de natação até jardinagem e edição. Dê uma hora de sua experiência a um vizinho; obtenha uma hora dos talentos de outra pessoa. O Helsinki Timebank, como foi chamado mais tarde, cresceu e se tornou uma robusta economia paralela de mais de 3.000 membros. Com trocas de dezenas de milhares de horas de serviços, tornou-se uma teia de convívio social alternativa à economia de mercado e parte de uma grande rede internacional de bancos de tempo.
Em Bolonha, Itália, uma senhora idosa queria um simples banco de praça no ponto de encontro favorito do bairro. Quando os moradores perguntaram ao governo municipal se eles próprios poderiam instalar um banco, uma burocracia perplexa respondeu que não havia procedimentos para fazê-lo. Isso desencadeou uma longa luta, ao fim da qual criou-se um sistema formal para coordenar as colaborações dos cidadãos com o governo de Bolonha. A cidade acabou por criar o Regulamento de Bolonha para o Cuidado e Regeneração de Comuns Urbanos, que organiza centenas de “pactos de colaboração” entre cidadãos e governo: reabilitar edifícios abandonados, gerir jardins de infância, cuidar de espaços verdes. Desde então, o esforço estimulou um movimento chamado de Co-City na Itália, que orquestra colaborações semelhantes em dezenas de cidades.
Mas, em face da mudança climática e da desigualdade econômica, esses esforços não são muito pequenos e locais? Essa crença é um erro que os tradicionalistas cometem. Eles estão tão focados nas instituições de poder que fracassaram, e tão fixados no contexto mais global que não conseguem reconhecer que as forças reais para a mudança transformacional se originam em pequenos lugares, com pequenos grupos de pessoas, sob o olhar do poder. Os céticos dos “pequenos” zombavam dos agricultores que semeiam grãos de arroz, milho e feijão: “Você vai alimentar a humanidade com… sementes ?!” Pequenas apostas com capacidades adaptativas são, na verdade, veículos poderosos para a mudança do sistema. Neste momento, um enorme universo de iniciativas sociais de baixo para cima – familiares e novas, em todas as esferas da vida, em ambientes industrializados e rurais – estão atendendo com sucesso às necessidades que a economia de mercado e o poder do Estado são incapazes de atender. A maioria dessas iniciativas permanece invisível ou não é identificada com um padrão mais amplo. Na opinião pública, elea são tratadas com condescendência, ignoradas ou vistas como aberrações e marginais. Afinal, elas existem fora dos sistemas de poder predominantes – o Estado, o Capital, o Mercado. As mentes mais convencionais contam com coisas comprovadas e não têm muita coragem para experimentos, embora as fórmulas supostamente vencedoras de crescimento econômico, fundamentalismo de mercado e burocracias nacionais tenham se tornado flagrantemente disfuncionais. A questão não é se uma ideia ou iniciativa é grande ou pequena, mas se suas premissas contêm o germe da mudança para o todo.
Para evitar qualquer mal-entendido: a alternativa do Comum não se referem apenas a projetos de pequena escala para melhorar a vida cotidiana. É uma visão germinativa para reimaginar nosso futuro juntos e reinventar a organização social, economia, infraestrutura, política e o próprio poder do Estado. O Comum é uma forma social que permite às pessoas desfrutar da liberdade sem reprimir os outros, praticar a justiça sem controle burocrático, promover a união sem compulsão e afirmar a soberania sem nacionalismo. O colunista George Monbiot resumiu muito bem as virtudes do Comum: ele ”dá a vida comunitária um foco claro. Depende da democracia em sua forma mais verdadeira. Destrói a desigualdade. É um incentivo para proteger o mundo dos vivos. Em suma, cria uma política de pertencimento”.
Isso se reflete em nosso título, que descreve a fundação, estrutura e visão do Comum: Livre, Justo e Vivo (Free, Fair and Alive). Qualquer emancipação do sistema existente deve honrar a liberdade no sentido humano mais amplo, não apenas a liberdade econômica do indivíduo isolado. Deve colocar a justiça, acordada mutuamente, no centro de qualquer sistema de governança. E deve reconhecer nossa existência como seres vivos em uma Terra que é ela própria viva. A transformação não pode ocorrer sem atualizar todos esses objetivos simultaneamente. Esta é a agenda do Comum – combinar as grandes prioridades de nossa cultura política que são regularmente jogadas umas contra as outras – liberdade, justiça e a própria vida.
Muito mais do que uma estratégia de comunicação, o Comum é uma visão de mundo insurgente. É exatamente por isso que ele representa uma nova forma de poder. Quando as pessoas se reúnem para buscar fins comuns e se constituem como um bem comum, uma nova onda de poder social mais coerente é criada. Quando um número suficiente desses bolsões de energia de baixo para cima converge, um novo poder político se manifesta. E como os comuneiros estão comprometidos com um amplo conjunto de valores filosoficamente integrados, seu poder é menos vulnerável à cooptação. O Mercado -Estado desenvolveu um rico repertório de estratégias de dividir e conquistar para neutralizar os movimentos sociais em busca de mudança. Satisfaz parcialmente um conjunto de demandas, por exemplo, mas também impõe novos custos a outras pessoas. O sistema diz “sim” a uma maior igualdade racial e de gênero na lei, mas apenas dentro do sistema grosseiramente injusto do capitalismo. Ou, diz “sim” a uma maior proteção ambiental, mas cobrando preços mais altos ou saqueando o Sul Global em busca de seus recursos naturais. Ou diz “sim” a melhores políticas de saúde e de trabalho, mas apenas sob esquemas rígidos que preservam os lucros corporativos. A liberdade é jogada contra a justiça, ou vice-versa, e cada uma delas é jogada contra as necessidades da Mãe Terra. E assim o núcleo do capitalismo sempre frustra as demandas de mudança do sistema.
A grande ambição do Comum é quebrar essa história sem fim de cooptação e manipulação. Seu objetivo é desenvolver uma economia social independente e paralela, fora do sistema de Mercado-Estado, que promova uma lógica e um ethos diferentes. O universo do Comum não busca liberdade, justiça e proteção ecológica como objetivos separados que requerem compensações entre eles. O bem comum busca integrar e unificar essas metas como prioridades contemporâneas. Elas constituem uma agenda indivisível. Além disso, essa agenda não é meramente aspiracional, está no cerne do Comum como prática social insurgente.
Não é surpresa que a visão do Comum que apresentamos aqui seja bem diferente daquela imagem apresentada (e ridicularizada) pela economia moderna e pela direita política. Para eles, o Comum são recursos sem dono, gratuitos e, portanto, um regime de gestão fracassado – uma ideia popularizada pelo famoso ensaio de Garrett Hardin sobre a “Tragédia dos Comuns” (voltaremos ao tema adiante) Nós discordamos. Os bens comuns são um conjunto robusto de práticas sociais auto-organizadas para atender às necessidades de maneiras justas e inclusivas. É uma forma de vida. É um enquadramento que descreve uma forma diferente de estar no mundo e formas diferentes de conhecer e agir.
O sistema de Mercado-Estado frequentemente destaca como realiza as coisas para as pessoas – ou, se a participação é permitida, como trabalha com as pessoas. Mas o Comum consegue coisas importantes por meio das pessoas. Ou seja, as próprias pessoas comuns fornecem energia, imaginação e trabalho árduo. Eles fazem seu próprio planejamento e governança. Os comuneiros são quem inventa os sistemas, planeja as regras, fornece o conhecimento, realiza o trabalho difícil, monitora o cumprimento e lida com os infratores.
Como isso implica, o Comum envolve uma mudança de identidade. Requer que as pessoas evoluam para funções e perspectivas diferentes. Exige novas formas de se relacionar com as outras pessoas. Exige que reavaliemos quem é importante em nossa economia e sociedade e como o trabalho essencial é realizado. Visto de dentro, o Comum revela que podemos criar valor de novas maneiras e criar significado para nós mesmos no processo. Podemos escapar das cadeias de valor capitalistas criando redes de valor de compromisso mútuo. É mudando os micropadrões da vida social, no território, uns com os outros, que podemos começar a nos descolonizar da história e da cultura em que nascemos. Podemos escapar da sensação de isolamento impotente que tanto define a vida moderna. Podemos desenvolver alternativas mais saudáveis e justas.
Não é de surpreender que os guardiões da ordem dominante – no Estado, nos negócios, na mídia, no ensino superior, na filantropia – prefiram trabalhar dentro das estruturas institucionais existentes. Eles se contentam em operar dentro de padrões paroquiais de pensamento e idéias mesquinhas sobre dignidade humana, especialmente a narrativa do progresso por meio do crescimento econômico. Eles preferem que o poder político seja consolidado em estruturas centralizadas, como o Estado-Nação, a corporação, a burocracia. Este livro visa quebrar essas suposições e abrir algumas novas perspectivas de escolhas realistas.
No entanto, este livro não é mais uma crítica ao capitalismo neoliberal. Embora muitas vezes valiosas, mesmo críticas agudas não nos ajudam necessariamente a imaginar como refazer nossas instituições e construir um novo mundo. O que realmente precisamos hoje é de experimentação criativa e coragem para iniciar novos padrões de ação. Precisamos aprender a identificar padrões de vida cultural que podem causar mudanças, apesar do imenso poder do capital.
Aos ativistas ligados a partidos políticos e eleições, legislação e formulação de políticas, aconselhamos mudança para um nível mais profundo e significativo de vida política: o mundo da cultura e da prática social. Os modos convencionais de política que trabalham com instituições convencionais simplesmente não podem proporcionar os tipos de mudança de que precisamos. A ativista sueca do clima, Greta Thunberg, de dezesseis anos, observou astutamente: “Não podemos salvar o mundo obedecendo às regras”. Precisamos conceber um novo conjunto de regras. O antigo sistema não pode ser ignorado e, de fato, muitas vezes, pode trazer os benefícios necessários. Mas devemos ser honestos conosco: os sistemas existentes não produzirão mudanças verdadeiras. É por isso que devemos estar abertos aos ventos estimulantes de mudança da periferia, dos lugares inesperados e negligenciados, das zonas sem “nobreza” ou credenciais, das próprias pessoas.
Consequentemente, nos recusamos a assumir que o Estado-Nação é o único sistema realista de poder para lidar com nossos medos e oferecer soluções. Não é. O Estado-Nação é a expressão de uma era em declínio. Acontece, porém, que círculos respeitáveis se recusam a considerar alternativas da periferia para que não sejam vistos como confusos ou malucos. Mas hoje em dia, as deficiências estruturais do Estado-Nação e sua aliança com os mercados movidos pelo capital estão claras e dificilmente podem ser negadas. Não temos escolha a não ser abandonar nossos medos – e começar a conjurar ideias novas a partir das margens.
Uma nota para tranquilizar: “ir além” do Estado-Nação não significa “sem o Estado-Nação”. O que queremos dizer é que devemos alterar seriamente o poder do Estado, introduzindo novas lógicas operacionais e atores institucionais. Muito deste livro é dedicado precisamente a essa necessidade. Vemos o Comum como uma forma de incubar novas práticas sociais e lógicas culturais que estão firmemente enraizadas na experiência cotidiana e por isso são capazes de se federar para ganhar força, fertilizar para cultivar uma nova cultura e alcançar as entranhas do poder do Estado. Quando descrevemos o Comum e o fazer dos comuns, estamos falando sobre práticas que vão além das formas usuais de pensar, falar e se comportar. Pode-se, portanto, considerar este livro como um guia de aprendizagem. Esperamos ampliar sua compreensão da economia como algo que vai além da economia mercantil – esta que contrapõe meus interesses individuais aos nossos, coletivos, e que vê o Estado como única alternativa ao mercado, por exemplo. Esta não é uma ambição pequena, porque o Mercado-Estado inseriu suas premissas profundamente em nossa consciência e cultura. Se quisermos realmente escapar da lógica sufocante do capitalismo, no entanto, devemos sondar isso profundamente. De que outra forma podemos escapar da estranha lógica pela qual primeiro exaurimos e esgotamos o meio ambiente na produção de coisas, e em seguida temos que trabalhar heroicamente para consertar ambos, simplesmente para que a “roda de hamster” do eterno hoje continue a girar? Como podem políticos e cidadãos tomar iniciativas independentes se tudo depende de empregos, do mercado de ações e da concorrência? Como podemos seguir em novas direções quando os padrões básicos do capitalismo habitam constantemente nossas vidas e nossa consciência, erodindo o que temos em comum? Nosso objetivo ao escrever este livro não é apenas iluminar novos padrões de pensamento e sentimento, mas oferecer um guia para a ação
Mas como começar a abordagem de uma mudança tão profunda? Nossa resposta é que devemos primeiro desvendar nossa compreensão do mundo: nossa imagem do que significa ser um ser humano, nossa concepção de propriedade, ideias predominantes sobre ser e saber (Capítulo 2). Quando aprendemos a ver o mundo através de novas lentes e a descrevê-lo com novas palavras, uma visão atraente entra em foco. Podemos adquirir uma nova compreensão do bem-viver, da nossa união, da economia e da política. Uma revolução semântica de novos vocabulários (e o abandono dos antigos) é indispensável para comunicar esta nova visão. É por isso que, no Capítulo 3, introduzimos uma variedade de termos para escapar da armadilha de muitos binarismos enganosos (individual-coletivo, público-privado, civilizado-pré-moderno) e nomear as experiências de comunhão que atualmente não têm nome (racionalidade Ubuntu, liberdade-em-conexão, soberania de valor, governança de pares).
Insights são uma coisa, ação significativa é outra. Como então devemos proceder? Consideramos a seção “como fazer” – Parte II, que inclui os Capítulos 4, 5 e 6 – como o coração do livro. A Tríade do Comum, como a chamamos, descreve sistematicamente como o mundo dos comuns “respira”: como ele vive, como é sua cultura. A Tríade oferece uma nova estrutura para compreender e analisar os Comuns. A própria estrutura surgiu por meio de uma metodologia associada a “linguagens de padrões”, na qual um processo de “mineração de padrões” é usado para identificar padrões recorrentes de prática social que existem em todas as culturas e na história.
Segue-se a Parte III, que examina as premissas embutidas de propriedade (Capítulo 7) e como um novo tipo de propriedade relacional pode ser desenvolvido (Capítulo 8) para apoiar o compartilhamento. Rapidamente percebemos que tais visões – ou outros padrões de Comum – tendem a se chocar contra o poder do Estado se tiverem sucesso. Os Estados não hesitam em usar a lei, os direitos de propriedade, as políticas estatais, as alianças com o capital e as práticas coercitivas para promover sua visão de mundo, que geralmente rejeita as realidades do Comum. À luz dessas realidades, delineamos várias estratégias gerais para construir o universo do Comum (Capítulo 9). E concluímos com uma passada de olhos em várias abordagens específicas: declarações do Comum, tecnologias de razão distribuída, parcerias públicas comuns, que podem expandir o Comum, ao mesmo tempo em que o protegem contra o sistema de Mercado-Estado (Capítulo 10). Como um livro que busca reconceituar nossa compreensão do Comum, percebemos que apontamos para muitos novos caminhos de investigação adicional, que simplesmente não podemos abordar aqui. Quanto maior o litoral do nosso conhecimento, maiores serão os oceanos de nossa ignorância. Teríamos gostado de explorar uma nova teoria do valor para contrariar as noções insatisfatórias de valor atuais e o sistema de preços usado pela economia padrão. A longa história das leis de propriedade contém muitas doutrinas jurídicas fascinantes que merecem ser escavadas, junto com noções não-ocidentais de administração e controle. As dimensões psicológicas e sociológicas da cooperação poderiam iluminar nossas ideias sobre o Comum com uma nova profundidade. Estudiosos da modernidade, historiadores do Comum medieval e antropólogos poderiam nos ajudar a compreender melhor a dinâmica social do Comum contemporâneo. Em suma, há muito mais a ser dito sobre os temas que discutimos.
Algumas das grandes questões mais salientes e pouco estudadas envolvem como o Comum pode mitigar desafios geopolíticos, ecológicos e humanitários. Migração, conflito militar, mudança climática e desigualdade são todos afetados pela prevalência de cercamentos e a força ainda relativa do fazer comum. Os comuneiros com meios de subsistência estáveis e enraizados localmente sentem menos pressão para fugir para as regiões mais ricas do mundo. Quando os pescadores predatórios destruíram os recursos pesqueiros da Somália, certamente tiveram um papel no incentivo à pirataria e ao terrorismo na África. A proteção estatal dos bens comuns poderia fazer diferença? Se tal condição pudesse suplantar as cadeias de suprimento do mercado global, poderia reduzir significativamente as emissões de carbono do transporte e produtos químicos agrícolas. Esses e muitos outros tópicos merecem muito mais pesquisa, análise e teorização.
Desejamos chamar a atenção para quatro apêndices importantes. O Apêndice A explica a metodologia usada para identificar os padrões do fazer comum na Parte II do livro. O Apêndice B descreve o processo de conceituação usado por Mercè Moreno Tarrés para desenhar as 28 belas imagens de padrões na Parte II. O Apêndice C lista sessenta e nove bens comuns e ferramentas de trabalho para o fazer comum mencionados neste livro. E o Apêndice D lista os oito princípios de design renomados de Elinor Ostrom para bens comuns eficazes.