Ideia de “progresso” remonta aos séculos XVI e XVII. Mas há cem anos associou-se à busca do “crescimento infinito” das economias. Como este passo seduziu as elites capitalistas e o “campo socialista”. Por que outra medida de futuro é necessária
Pablo Pryluka e Bianca Centrone entrevistam Stephen J. Macekura, revista Roar / Outras palavras, 17 de fevereiro de 2022. Tradução de Vitor Costa
Nos últimos anos, mais e mais pessoas começaram a questionar o sacrossanto conceito de “crescimento econômico”: a ideia de que as políticas governamentais podem ser avaliadas como sucesso ou fracasso a partir do aumento da renda nacional. Para a maioria dos economistas, o crescimento ainda é a referência sagrada no caminho do desenvolvimento – para os países considerados “subdesenvolvidos” – e é algo a ser mantido e, se possível, ampliado em todos os países da OCDE.
Os governos seguem o exemplo e projetam suas políticas em torno de marcadores de crescimento. Mas, se o crescimento econômico sustentado é sinônimo de sucesso econômico, por que os aumentos do Produto Interno Bruto (PIB) falham em produzir o resultado prometido de prosperidade geral? Por que outros indicadores como desigualdade ou bem-estar não têm a mesma centralidade na política de Estado?
Em seu novo livro, The Mismeasure of Progress, Stephen Macekura mostra que esses debates não são todos novos, embora tenham voltado com força total em meio as atuais crises climáticas, econômicas e da crescente desigualdade. Macekura conta a história de como a ideia de crescimento econômico começou na Europa nas primeiras décadas do século XX, à medida que novas ferramentas estatísticas e sistemas contábeis nacionais possibilitaram tanto visualizar a chamada “economia nacional” quanto pensar em formas de fazer essa economia crescer.
Por fim, ele ao recupera o pensamento de inúmeros críticos do crescimento. As críticas mais urgentes à ideia vieram de planejadores estatais do Terceiro Mundo, que viram com seus próprios olhos que “crescimento” e “desenvolvimento” podem ser coisas muito diferentes. A eles se juntaram, mais tarde, ambientalistas na década de 1970, que levantaram preocupações sobre os “limites do crescimento” e seus efeitos colaterais, mesmo os não intencionais.
O movimento contemporâneo de decrescimento, observa Macekura, é apenas a expressão mais recente – e explícita – de uma história contínua de crítica ao paradigma do crescimento. O apelo do movimento para reduzir o consumo e a produção global para atender a padrões não relacionados ao crescimento, como justiça social e ambiental, é o sinal mais recente – e, talvez, o mais encorajador – de que a crítica ao crescimento está amadurecendo politicamente.
Pablo Pryluka e Bianca Centrone conversaram com Macekura para entender melhor como, mesmo com um histórico tão rico de críticas ao crescimento, ainda permanecemos presos na ideia econômica mais poderosa do século XX.
O crescimento econômico é considerado hoje como o principal objetivo político de quase todos os governos do mundo. Em The Mismeasure of Progress, você não apenas estuda como o “crescimento” se tornou uma preocupação política central, mas também mostra que as políticas centradas no crescimento receberam muitas críticas ao longo da história. Quando e por que a ideia de crescimento econômico se tornou o objetivo fundamental da economia?
Como defendo no livro, o uso da expressão “crescimento econômico” pressupõe que existe uma entidade específica e calculável chamada “economia” que poderia crescer. Essa ideia – que agora tomamos como certa – realmente data apenas das décadas de 1930 e 1940. É claro que existem precedentes anteriores para ideias semelhantes. Noções como “progresso” e “melhoria” remontam aos séculos XVI e XVII, e muitos dos pensadores econômicos clássicos como Smith, Ricardo e Mill de fato se envolveram em debates sobre esses conceitos. Mas eu argumento que a maneira como falamos sobre crescimento econômico hoje realmente é recente, e data apenas do século XX.
Há algumas razões para isso. Uma delas é que foi apenas no século XX que vimos o surgimento de um espaço social chamado “economia nacional”. E, em segundo lugar, há um novo desejo de que essa coisa, a economia nacional, cresça como uma espécie de imperativo político e social.
Em termos de cálculo da economia nacional, houve algumas tentativas interessantes, mas dispersas, de quantificar a riqueza nacional nos últimos 400 anos. Mas foi apenas nas décadas de 1910, 1920 e 1930 que os economistas realmente começaram a desenvolver técnicas de amostragem sofisticadas para coletar dados de diferentes fontes e técnicas avançadas de modelagem para trabalhar com todos esses dados e usá-los para chegar a um valor agregado do que, em um sentido geral, é chamado de “renda nacional” ou “produto nacional”.
Nas sociedades capitalistas e não capitalistas, essa tendência atingiu o auge em todo o mundo nas décadas de 1920 e 1930. Mas o imperativo do crescimento nacional – para o qual métricas como o PIB foram inventadas – só surge adequadamente na década de 1940, e eu argumento que isso se deve a três crises globais interligadas realmente importantes.
A primeira é a Grande Depressão da década de 1930. A segunda é a crise que os impérios europeus coloniais enfrentaram nas décadas de 1930 e 1940. E a terceira é a Segunda Guerra Mundial. Esses três eventos levam os formuladores de políticas e as elites de todo o mundo a começarem a pensar de maneira realmente diferente sobre suas realidades econômicas e seu mundo econômico.
Por exemplo, para as elites capitalistas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, a questão-chave nas décadas de 1930 e 1940 era como evitar o radicalismo trabalhista e a luta social, bem como a agitação nas colônias – pelo menos por tempo suficiente para manter alguma estabilidade social. No caso dos oficiais coloniais, a principal preocupação era impedir a independência das colônias, e eles viam o crescimento como uma forma de controlar esse processo, para que ele só acontecesse em um prazo que lhes conviesse.
Ao mesmo tempo, do ponto de vista de muitos movimentos nacionalistas emergentes em todo o mundo colonial e pós-colonial, havia uma urgência real de alcançar a independência não apenas por razões políticas, mas também econômicas: para superar os termos de troca desiguais que existiam dentro do colonialismo e também buscar a independência política, superando séculos de exploração econômica enquanto atendem às demandas de seus povos.
Essas crises também impactaram o mundo comunista. A guerra foi especialmente devastadora para a União Soviética, e os soviéticos interpretaram muito a Segunda Guerra Mundial – assim como viam a Primeira Guerra – como um conflito intracapitalista que se espalhou para afetá-los diretamente. E, assim, o objetivo imediato da União Soviética na década de 1940 foi a recuperação da guerra, mas também o rearmamento para se preparar para a próxima que os capitalistas trariam.
Então, esses grupos muito diversos, com preocupações muito diferentes – de como evitar o radicalismo ou impedir a independência colonial, como superar a exploração ou se recuperar e se preparar para a próxima guerra capitalista – todos encontraram a mesma resposta: fazer as economias nacionais crescerem o mais rápido possível. Esperava-se basicamente que o crescimento resolvesse todos esses problemas sem tradeoffs difíceis demais – era assim que se pensava na década de 1940.
Há também uma ironia interessante e preocupante em tudo isso, que é que a busca do crescimento por todos esses diferentes países na verdade reforçou, ainda mais, o imperativo geral do crescimento, porque o crescimento de um país muitas vezes parecia ameaçador para o de outro. Por exemplo, o crescimento econômico soviético e os pedidos de reconstrução de Stálin em 1946-47 aterrorizaram as autoridades em Paris, Londres e Washington, porque se temia que a União Soviética estivesse tentando se transformar em império poderoso.
Da mesma forma, o impulso para o crescimento econômico na Europa Ocidental e nos Estados Unidos provocou temores na União Soviética de que os capitalistas estavam de fato se rearmando. Além disso, a rápida busca do crescimento econômico no mundo colonial e pós-colonial levantou alarmes tanto no mundo capitalista quanto no comunista, porque não estava claro se esses países buscariam ajuda e apoio de um lado ou outro, gerando muita incerteza e medo.
Você mencionou de passagem que foi somente com o desenvolvimento de técnicas modernas de amostragem, modelagem e contabilidade que se tornou possível quantificar a riqueza nacional. Você poderia dizer mais sobre a conexão entre o status de economistas especializados no governo e o surgimento da ideia de crescimento econômico?
Na década de 1930 e no início dos anos 1940, os economistas – estatísticos econômicos, em particular – ganharam muita credibilidade e, num grau sem precedentes, foram inscritos nos processos de construção do Estado. Parte disso decorre da enorme escala da devastação da Primeira Guerra Mundial e da Grande Depressão. Na década de 1920, havia, por exemplo, um forte desejo por parte dos Estados de conhecer a capacidade de seus rivais se mobilizarem para futuras guerras. E assim, tornou-se importante que os economistas pudessem prever com que rapidez, digamos, se o Estado alemão poderia se rearmar e mobilizar recursos nacionais para o esforço de guerra.
Da mesma forma, houve um forte elemento de reforma social na Grande Depressão, onde os países começaram a precisar de melhores dados sobre o quão ruim era a crise em nível nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo Roosevelt sabia que os bancos estavam falindo, que as pessoas estavam sem emprego e assim por diante. Mas eles não tinham boas métricas nacionais para ter uma noção de quão profunda era a crise e o que era necessário para sair dela.
Os economistas tornaram-se figuras muito importantes porque, de muitas maneiras, os governos nacionais começaram a pedir-lhes que fizessem esse tipo de trabalho de quantificação. O que é impressionante é que, em muitos casos, esses economistas e estatísticos das décadas de 1930 e 1940 foram extremamente úteis para os esforços de recuperação liderados pelos governos.
Por exemplo, no Reino Unido, o próprio John Maynard Keynes, apesar de não ser um grande estatístico, trabalhou com muitos colegas em Cambridge que avançaram muito em suas técnicas quantitativas e de modelagem. Alguns merecem ser mencionados: Sir Richard Stone e Colin Clark, por exemplo, eram figuras que trabalharam para a coroa britânica e apresentaram estimativas de renda nacional que esse governo usou com bastante sucesso para ajudar a financiar a recuperação no final da década de 1930 e, mais tarde, mobilizou para o esforço de guerra.
Nos Estados Unidos, podemos citar dois estatísticos econômicos importantes na década de 1930. Um deles é o professor da Universidade da Pensilvânia, Simon Kuznets, que supervisionou os projetos para construir os primeiros números do PIB dos Estados Unidos em meados da década de 1930, e o outro é um de seus ex-alunos, Robert Nathan, deputado que trabalhou com ele no Departamento de Comércio.
O que é interessante sobre Kuznets e Nathan é que, no início da década de 1940, ambos estavam trabalhando para o esforço de guerra no War Production Board, e realizaram uma série de estudos de viabilidade que sugeriram ao governo Roosevelt quanto dinheiro poderia ser gasto em rearmamento de guerra sem provocar outra recessão doméstica. Essas projeções foram muito precisas e ajudaram a orientar o planejamento de guerra do país.
Os Estados Unidos, portanto, tiveram uma economia quase planejada de 1941 a 1944, em grande parte por causa do trabalho desses estatísticos. Isso quer dizer que o sucesso das técnicas de quantificação e sua introdução ao planejamento contribuíram muito para tornar mais “sagrada” a ideia de crescimento econômico.
E essa tendência continuou no período pós-guerra nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Historiadores econômicos como Branko Milanovic e outros notaram que as taxas de crescimento econômico daquele período são realmente sem precedentes, não apenas em termos do século XX, mas em relação a toda História humana em geral. E aconteceu que, enquanto tantos líderes e políticos estavam falando sobre crescimento econômico, o próprio crescimento econômico começou a parecer algo quase ilimitado, porque esse crescimento econômico estava de fato transformando a vida das pessoas de forma fundamental ao redor do mundo.
O crescimento nas décadas de 1940 e 1950 foi acompanhado por um aumento no investimento estatal em coisas como pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura e gastos realmente sem precedentes em bem-estar social. Era compreensível, portanto, que muitas pessoas enxergassem o crescimento econômico como esse bem “sagrado”, porque parecia que esse crescimento, de muitas maneiras, não apenas ajudou a tirar o mundo da depressão e dos sacrifícios de guerra, mas também permitiu que eles vivessem melhor e vislumbrassem um tipo de futuro diferente do que era anteriormente imaginável.
Como você disse, o crescimento econômico acabou se tornando uma espécie de panaceia para os problemas que as sociedades enfrentaram no período pós-guerra. Mas, como mostra seu livro, a mesma ideia de crescimento econômico também pode piorar a enfermidade a qual deveria tratar. Isso parecia ser evidente quando o crescimento econômico e a noção de “desenvolvimento” ganharam muita força entre os chamados economistas da teoria da modernidade no Primeiro Mundo, que começaram a abordar o que entendiam ser problemas do Terceiro Mundo.
É um tema realmente interessante porque, no que diz respeito à questão do crescimento econômico, o campo dos estudos de desenvolvimento mudou muito entre 1940-70. Nas décadas de 1940 e 1950, você encontra especialistas afirmando entenderem como gerar desenvolvimento na região chamada de mundo “subdesenvolvido”, e havia uma frequente fusão de desenvolvimento e crescimento econômico – onde o desenvolvimento era o crescimento econômico e o crescimento econômico era o desenvolvimento.
No final da década de 1950, enquanto muitos especialistas ainda acreditavam que desenvolvimento e crescimento econômico eram em grande parte coincidentes, eles também sustentavam que, usando um anacronismo, o que o Sul global precisava era de um conjunto diferente de ideias econômicas para gerar crescimento. Muito rapidamente surgiu um sentimento de frustração com a tentativa de importar modelos de contabilidade de renda nacional do Norte. Na verdade, escrevo sobre como foi difícil para muitos economistas tentar quantificar a atividade econômica nacional em lugares onde essa atividade nem sempre era monetizada da mesma maneira que no Norte.
Não apenas havia uma sensação de que os modelos de crescimento não podiam ser importados, como também havia um sentimento geral de que os modelos keynesianos simplesmente não se aplicavam bem a grande parte do resto do mundo. E assim, sentiu-se que o Sul global – ou mundo pós-colonial – precisava de uma nova e diferente forma de conhecimento econômico. E essa nova forma é, em última análise, o que se tornou a economia do desenvolvimento.
Esse mesmo período também viu o surgimento de teorias realmente interessantes – como a Big Push Theory, ou a Dual Sector Theory de Arthur Lewis – que tentavam gerar um crescimento rápido para que o chamado Terceiro Mundo pudesse se desenvolver rapidamente. O que me impressiona é que, quase tão rapidamente quanto os termos “desenvolvimento” e “crescimento” foram meio que confundidos na década de 1950; e, no final dos anos 1960 e 1970, eles mais uma vez se separaram. Muitos economistas do desenvolvimento começaram a argumentar que crescimento e desenvolvimento não são, de fato, a mesma coisa, e que os países poderiam obter altas taxas de crescimento econômico rápido sem alcançar qualquer tipo de desenvolvimento social significativo.
Um dos críticos do crescimento que comento é um economista do desenvolvimento chamado Dudley Seers. Sem rodeios, ele coloca a questão em seu ensaio de 1969: “Por que confundimos desenvolvimento com crescimento econômico?”. Da mesma forma, o planejador paquistanês Mahbub ul Haq, formado em Yale, e que tinha experiência no desenvolvimento de planos quinquenais no Paquistão na década de 1960, ficou surpreso ao descobrir que seu país havia gerado taxas de crescimento econômico bastante altas – e, em muitos aspectos, excedendo o que ele havia previsto — mas ainda havia pobreza generalizada. Na verdade, o que mais o chocou foi o quanto a desigualdade havia aumentado.
No final da década de 1960, Haq começou a repensar a maneira como o desenvolvimento estava sendo discutido, medido e definido, e tentou criar paradigmas alternativos para o desenvolvimento que fossem totalmente separados do crescimento. Na década de 1970, ele falou sobre a necessidade de redução da pobreza e o foco nas necessidades humanas básicas acima de tudo. Na década de 1980, junto com o economista indiano Amartya Sen, ele se concentrou muito em escrever sobre “desenvolvimento humano”, e na verdade foi ele quem desenvolveu o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU como uma espécie de conceito concorrente do PIB e do PNB.
Assim, na década de 1970, havia um sentimento real entre muitos especialistas em desenvolvimento no Norte e no Sul globais de que desenvolvimento e crescimento não são de fato sinônimos e que o crescimento não leva necessariamente a bons resultados de desenvolvimento. O que muitos passaram a acreditar é que, se você está realmente preocupado em diminuir a desigualdade e aliviar a pobreza, precisa se concentrar em fazer exatamente isso. Você não pode simplesmente esperar que o crescimento resolva naturalmente a pobreza ou a desigualdade. Você precisa fazer políticas direcionadas para lidar com essas prioridades.
Durante esse mesmo período que você descreve, ocorreram grandes mudanças na ordem econômica internacional. Um ano após o golpe no Chile, a economia do Sul global começou a decair, e a década de 1970 terminou com uma enorme crise financeira. O que me pergunto é que, já que esse período foi marcado tanto pelo surgimento de organizações internacionais associadas à chamada Nova Ordem Econômica Internacional (como a UNCTAD e o Movimento dos Não-Alinhados) quanto por uma grande desaceleração econômica e crise da dívida no Terceiro Mundo, houve, então, uma crescente desconexão entre teoria econômica e prática?
É impressionante quantas pessoas amargaram incertezas, particularmente as elites, sobre o futuro do mundo entre 1972 e 1975. Nesse período, ocorreram várias coisas importantes: o surgimento de um esforço conjunto das economias em desenvolvimento para estabelecer uma agenda econômica comum, conhecida como Nova Ordem Econômica Internacional (NIEO); a derrubada do governo Allende; o embargo do petróleo e uma crescente conscientização sobre a gravidade das crises ambientais. Basicamente, mesmo que breve, foi um momento na história em que uma mudança estrutural fundamental da economia global parecia, a muitos olhos, muito provável.
Em 1971 e 1972, houve uma série de grandes crises ambientais, como o grande derramamento de óleo na costa de Santa Bárbara, Califórnia. A primeira grande conferência ambiental da ONU aconteceu em junho de 1972, e então, em junho daquele mesmo ano, saiu o “Relatório Limites do Crescimento”, sugerindo que o mundo basicamente ficaria sem grandes recursos nos próximos 30 anos. E isso, claro, veio depois de décadas pensando nos recursos naturais como ilimitados.
Em 1973, o conflito no Oriente Médio levou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) a embargar o petróleo, que encerrou um período fundamental na história do crescimento econômico – a era dos preços do petróleo muito baixos que sustentaram o crescimento de tantos países, sejam eles capitalistas, comunistas, ricos ou pobres.
No início da década de 1970, após várias crises ambientais e o relatório “Limits to Growth”, o embargo do petróleo de repente fez o crescimento parecer não apenas não mais ilimitado, mas fundamentalmente limitado. As pessoas no Norte global tiveram que esperar na fila pelo gás; o custo da eletricidade disparou; a vida cotidiana das pessoas foi alterada de várias maneiras. Este também foi o auge absoluto da preocupação global com o crescimento populacional, quando houve uma grande conferência da ONU em 1974 sobre o futuro da população.
O grande livro de Paul Ehrlich, The Population Bomb, foi lançado no final dos anos 1960, mas foi no início dos anos 1970 que Ehrlich se tornou uma grande celebridade. Ele esteve no Johnny Carson Show – na época, o talk show mais popular nos EUA – vinte vezes no início dos anos 1970, falando basicamente de há muitas pessoas no mundo e que haveria crises alimentares agudas em todos os lugares, o que alimentaria conflitos, e assim por diante. Mais uma vez, depois das crises ambientais e do petróleo, as pessoas estavam ficando realmente preocupadas.
Enquanto tudo isso acontecia no Norte, no Sul global os líderes e governos viram um momento de oportunidade – e com razão. Foi o embargo do petróleo que inspirou o momento do NIEO, porque o que o embargo sugeria era que, embora houvesse uma economia mundial fundamentalmente desigual, estruturada pelas heranças do colonialismo, os países do Sul global exportavam matérias-primas que eram vitais. Assim, ao formar um cartel de fixação de preços e tirar o poder do mercado, os países do Sul global poderiam fazer com que suas preocupações fossem ouvidas internacionalmente.
O pensamento era: o que foi feito para o petróleo poderia ser feito para o cobre, a bauxita, o magnésio e qualquer coisa que fosse vital para os processos de produção nos países ricos. Muitos no Sul global pensaram, com certa razão, que em 1974 havia uma oportunidade de reestruturar a economia global. Acho que eles reconheceram que haveria uma reação, embora de muitas maneiras tenham subestimado o poderio do Norte global para tentar corrigir isso.
Em certo sentido, embora o golpe no Chile não seja obviamente o resultado do NIEO, acho que simboliza até que ponto, mesmo em um período de tensões menos graves da Guerra Fria, os países do Norte global – e os Estados Unidos em particular – ainda poderiam ver os governos de esquerda com política redistributiva como uma séria ameaça.
Em 1975, havia negociações de alto nível entre os países do G6 e a Casa Branca sobre como destruir o NIEO. Eles descobriram como desafiar os países do Sul global e então, em meados da década de 1970, combinada uma estratégia para bloquear o NIEO, quebrando-o ao trabalhar com esses países individualmente.
Aliado a isso, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, ocorreu uma série de transformações econômicas mais amplas que minaram esse momento repleto de possibilidade. Houve (uma grande ironia histórica) o fato de que todos os países exportadores de petróleo obtiveram lucros com os preços mais altos do petróleo. Eles aplicaram todo esse dinheiro em bancos que ficaram mais satisfeitos em emprestar para outros países do Sul global, o que, por sua vez, aumentou a carga de dívida governamental que esses países enfrentaram nos anos seguintes.
Sabemos que, em vez de responder com perdão a essa alta carga de dívida, os Estados Unidos, o FMI e outros países pressionaram por um ajuste estrutural. Houve muita instabilidade e flutuações nos mercados de commodities nas décadas de 1970 e 1980 que minaram a posição de negociação do Sul global. E então, finalmente, houve um impulso real do Norte global para a independência energética e, finalmente, uma exploração bem-sucedida de novas fontes de petróleo. Isso prejudicou as habilidades de definição de preços da OPEP e gerou mais petróleo no mercado global, limitando a capacidade de qualquer país de controlar o mercado como os países produtores de petróleo tinham no início dos anos 1970.
O que quero dizer com isso é que houve essa janela realmente breve, de 1972 a 1975, quando o futuro do crescimento, do poder global e da ordem internacional parecia incerto. Em 1982, essa janela havia se fechado e de repente havia uma fé renovada no crescimento – refletida em uma recuperação nas taxas de crescimento em grande parte do mundo capitalista.
Como resultado de uma série de decisões políticas, houve um aumento dramático nos fluxos de capital de volta ao Norte global, que também é uma parte importante dessa história. Os países do G6 experimentaram uma saída líquida de capital na década de 1970, mas na década de 1980 viram uma entrada líquida, pois o capital seguiu taxas de juros mais altas e desregulamentação financeira. Então, já naquela época era um mundo radicalmente diferente daquele que parecia possível apenas uma década antes.
Em The Mismeasure of Progress, você acompanha como o crescimento passou de uma ideia para uma prática concreta real para medir a economia. Quais são as conexões entre as narrativas econômicas usadas pelos economistas e a forma como a economia realmente funciona?
Eu penso assim: o crescimento econômico é em si uma narrativa do passado. Torna-se uma narrativa poderosa para elites, economistas e outros que querem simplesmente fazer um gráfico do PIB per capita para 1800, 1820, 1850 e assim por diante, até os dias atuais. Isso permite que eles apresentem uma história muito simplista de progresso no PIB com base em uma ideia de melhoria e progresso universal.
Eu acho que a narrativa também tem uma função performativa realmente poderosa a desempenhar. Os líderes usam esse tipo de retórica e afirmam: “veja nosso crescimento econômico passado”. E o fazem para deslocar ou desviar as preocupações sobre a desigualdade contemporânea, pobreza ou redistribuição, acreditando que o crescimento econômico gerou todos esses grandes resultados passados. A lógica que decorre disso afirma que não há razão para pensar que esse crescimento não continuará no futuro e que, enquanto o PIB continuar a crescer, podemos evitar ter que fazer escolhas difíceis.
Você pode assistir a uma palestra online de Peter Thiel colaborando com Roberto Unger e Cornel West em Harvard, onde Thiel encapsula perfeitamente toda essa ideologia. Ele diz: “Se tivermos crescimento econômico, podemos fazer tudo. Podemos fazer o que quisermos.” Esse tipo de sentimento se baseia na suposição de que o crescimento basicamente nos libertou de restrições passadas.
É claro que, embora essa narrativa de crescimento contivesse momentaneamente um núcleo de verdade muito generalizada, certamente não é a única história que podemos contar sobre o século XX. O que chama a atenção nas tentativas recentes de redirecionar a atenção política e até mesmo o discurso público para longe do crescimento justo é que elas também são narrativas igualmente históricas.
Veja a preocupação recente com a desigualdade, especialmente desde a crise financeira global de 2008: muito disso decorre do trabalho de economistas e historiadores econômicos como Thomas Piketty e outros que mostram uma narrativa diferente dos últimos 150 anos. Lá, a história dominante não se resume ao crescimento agregado do PIB e seu progresso gradual; em vez disso, concentra-se em um período de desigualdade dramaticamente alta na virada do século 20, uma diminuição na desigualdade em meados do século 20 e, em seguida, um forte processo de volta a uma desigualdade cada vez maior.
Outra maneira de pensar sobre isso hoje é o foco crescente em paraísos fiscais e evasão fiscal. Há um grande trabalho histórico sendo feito por pessoas como Vanessa Ogle, e grandes estudos econômicos sendo feitos pelo economista francês Gabriel Zucman, ambos mostrando outra importante narrativa econômica dos últimos cem anos. Ambos os estudiosos chamam a atenção para quantos dos indivíduos mais ricos e das maiores corporações procuraram ativamente influenciar a formulação de políticas para proteger sua riqueza da tributação nacional. Em alguns casos, isso implicou redirecionar e reformar as políticas tributárias de países inteiros.
Uma das histórias realmente impressionantes, novamente, não é apenas o crescimento do PIB, mas a medida em que uma parcela significativa da riqueza pessoal no mundo não está realmente sujeita a nenhuma tributação nacional. Essa é uma narrativa histórica que tem muito a ver com a prática contemporânea. Muitos críticos do crescimento hoje reconhecem o poder desses tipos de narrativas que contamos sobre o passado – especialmente sobre nossa história econômica – e como são importantes para galvanizar a atenção e a ação do público em torno das preocupações contemporâneas.
Em certo sentido, a ideia de crescimento encontrou seu oponente mais direto no movimento contemporâneo de decrescimento.
Há um grande debate hoje sobre se o crescimento pode continuar sendo um objetivo principal, mas apenas direcionado para fins mais equitativos, o que eu acho que é, em última análise, a crença do Green New Deal. O GND promete alto crescimento econômico por meio de novos investimentos em tecnologias ecologicamente corretas, programas maciços de emprego e similares. É um tipo diferente de crescimento: o crescimento verde.
Então, como você diz, há o movimento de “decrescimento” (degrowth). O que chamou a atenção em tantos críticos do crescimento nos anos 70 – que prenunciaram o movimento de decrescimento – é que eles tinham muito pouco a dizer em resposta às preocupações do Sul global sobre equidade e justiça. Os críticos mais radicais do Norte global, que diriam que precisamos parar completamente o crescimento, basicamente acabaram reconhecendo que era uma coisa difícil para o Sul global fazer.
O economista e ecologista Herman Daly argumentou que o Sul global poderia continuar a crescer até certo ponto e, eventualmente, precisaria interromper o crescimento também. Mas isso abre todos os tipos de questões difíceis sobre quem decide qual é esse ponto de parada, quem pode dizer quanto crescimento é muito ou pouco em um determinado momento.
Muitos desses problemas vêm da realidade de que não há vontade política nos países ricos para oferecer o tipo de ajuda e coisas que os defensores do decrescimento dizem ser necessárias. Acho que, de muitas maneiras, é uma adição bem-vinda à história da crítica ao crescimento que tantos defensores do decrescimento reconheçam que, para garantir que as pessoas tenham suas necessidades atendidas e tenham a capacidade de florescer, o Sul global precisaria de um aumento dramático na ajuda.
Chegamos agora a um ponto, porém, em que é preciso haver mais do que apenas novas ideias e nova retórica; precisamos também de uma mobilização política real. O que é interessante sobre o movimento de decrescimento hoje, em comparação com a década de 1970, é que naquela época havia um foco grande em novas métricas e novas medidas de progresso social além do PIB. Havia uma fé real de que, se os governos tivessem novos (e melhores) indicadores, esses mesmos indicadores direcionariam todos a ter novas prioridades e novos valores.
Agora, há um foco menos tecnocrático em criar métricas e um reconhecimento mais amplo da política em jogo. Acho que o que resta ver é qual forma e que tipo de coalizões são construídas para gerar o tipo de ação política necessária para fazer o trabalho de gerar melhores resultados.