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Insurgência participou de seminário internacional de LGBTIs socialistas

Seminário é marcado por denúncias contra os efeitos da LGBTIfobia, racismo e colonialismo por todo o mundo.

22 de julho de 2020

Das Filipinas ao México, do Líbano aos Estados Unidos, da Índia ao Brasil, são nossos corpos que estão morrendo. Os corpos de jovens negros no Brasil, chicanas, mulheres trans indianas e filipinas e das LGBTs de todo o Sul Global são os que mais sofrem os processos decorrentes da convergência entre capitalismo, colonialismo e patriarcado. Essa violência colonial atravessa nossos corpos internacionalmente, e os distintos processos de humanização e desumanização nos matam de maneiras distintas ao redor do globo.

Entre os dias 11 e 12 de julho ocorreu o VIII Seminário LGBTI da IV Internacional. A Insurgência, na condição de parte da seção brasileira, enviou uma representação, que assina esse texto. No dia 11, tivemos uma mesa sobre a experiência do Black Lives Matter e sua expressão na luta LGBTI. No domingo, aproximações entre a pandemia de HIV e a de COVID-19, ambas com consequências desastrosas para a comunidade LGBTI internacional. Esse texto apresenta nossa síntese e apreensão dos debates deste fim de semana.

Este ano, pela primeira vez, o Seminário LGBTI da IV Internacional discutiu como um dos seus temas centrais o anti-racismo. Este é um debate que vem permeando há muitos anos as elaborações coletivas da militância LGBTI da IV Internacional e que agora, no contexto do recente levante global contra o racismo, ganha a centralidade que merece. Enquanto estrutura fundamental para a manutenção do capitalismo desde o seu princípio, o racismo também tem definido o modo como as pessoas LGBTI sofrem com a opressão e a exploração capitalista ao redor do mundo. No Brasil, país campeão no número de assassinatos de pessoas LGBTI, são as pessoas trans negras, em primeiro lugar, e os homens gays negros, em segundo lugar, os que mais morrem por transfobia e homofobia, respectivamente. Em países do norte global, gays e lésbicas reconhecidos como “cidadãos nacionais” tem seus direitos garantidos, ao passo que pessoas LGBTI imigrantes e não brancas, especialmente pessoas trans, muitas das quais migram para escapar da violência LGBTIfóbica em seus países de origem, permanecem em situação de “ilegalidade” e expostas a todo o tipo de violência. O quadro se complexifica quando observamos que, historicamente, a LGBTIfobia nos países do Sul Global está diretamente relacionada com o legado do colonialismo europeu.

A interseccionalidade entre gênero, raça, sexualidade e classe foi bastante ressaltada na análise da exploração e opressão nos diferentes países. Não à toa, o movimento Black Lives Matter se constitui como um levante global de negros e negras que teve como estopim o assassinato de George Floyd por um um policial branco nos Estados Unidos, mas que cruzou o oceano Atlântico e agora se expressa na derrubada das estátuas de colonizadores e escravagistas na Inglaterra e na França. É a negritude trabalhadora o setor mais explorado e mais atacado pela política de morte colonial do capitalismo global. O racismo e os distintos níveis de desumanização são sentidos também entre os filipinos, indianos, libaneses, porto riquenhos, japoneses: trata-se de um regime global de opressão e exploração.

Para compreender esse fenômeno internacional, o conceito criado pelo cientista político camaronês Achille Mbembe de necropolítica foi bastante citado durante os dois dias de seminário. Necropolítica é o poder de ditar quem pode viver e quem pode morrer pelos soberanos. E a produção de vidas descartáveis, passíveis de extermínio, estão totalmente interligadas com raça, gênero e classe. No berço do movimento Black Lives Matter, a palavra de ordem Black Trans Lives Matter tem chamado atenção para esse fato de que as LGBTIs, em especial as pessoas trans, estão mais sujeitas ainda a essa política de morte, entre a população negra. Nas Filipinas, Rodrigo Duterte aumenta a militarização da vida, espalha fake news contra a população LGBTI e produz o extermínio das vidas de LGBTIs, da ilha de Mindanao. E é também o movimento LGBTI uma das expressões da resistência contra a necropolítica de Duterte. No Brasil, a descontinuação das políticas de saúde para população que vive com hiv, significa, em particular, permitir que estas pessoas tenham suas vidas ceifadas.

A pandemia de COVID-19 tem sido cruel com as LGBTIs nos mais diferentes países. Na Hungria, Viktor Orban aproveita a pandemia de COVID-19 para obter poderes extraordinários frente ao Poder Legislativo do país. Uma das primeiras medidas de Orban neste período foi justamente a aprovação de uma lei de caráter transfóbico que impede a alteração do gênero e nome nos documentos oficiais daquele país. No Brasil, Bolsonaro expressa sua face necropolítica ao incentivar que as pessoas saiam às ruas em meio a mais de 80 mil mortes por covid-19 que se acumulam no país. “E daí” é a expressão máxima do descarte de vidas.

Em todo o mundo, as casas são reconhecidas como espaços de violência contra LGBTIs e o “Fique em casa” - campanha difundida internacionalmente para o combate ao novo coronavírus - tem efeitos perversos para quem precisa conviver com a violência LGBTIfóbica no próprio lar. Não por acaso, vimos durante os primeiros meses de confinamento inúmeros casos de suicídio de jovens LGBTI devido a quadros acentuados de depressão, especialmente jovens trans. A elevada mortalidade de pessoas trans pelo novo coronavírus também demonstra quem são os corpos mais vulneráveis quando a única política de saúde possível é “ficar em casa” (quem tem casa e quem condições dignas de moradia?) e “ficar seguro” (quem tem condições de estar seguro quando nem o próprio lar é um espaço de segurança?).

A pandemia revela ainda o impacto do colonialismo em nossas vidas: vemos países imperialistas do norte global agindo como piratas e interceptando insumos e equipamentos de proteção individual ou hospitalares como se as vidas do lado de cá do mundo não importassem. Ao mesmo tempo, os EUA doaram 2 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina ao Brasil, mesmo sabendo que este medicamento não tem eficiência cientificamente comprovada e pode inclusive matar o nosso povo. O crescente desmatamento na Amazônia, que está diretamente relacionado com interesses políticos e econômicos internacionais, acelera o genocídio dos povos indígenas no Brasil. É tarefa das LGBTI revolucionárias resistir a estes ataques imperialistas e coloniais!

Espaços de discussão como o Seminário LGBTI da IV trazem a compreensão de que os processos de dominação que se impõem sobre os sobre nossos corpos são parte dos processos globais de atualização do colonialismo, patriarcado e do capitalismo. Nossas lutas ultrapassam fronteiras nacionais e se conectam através dos mecanismos mundializados de opressão e exploração. A minoria dominante no quer em posição periférica, assim como os os negros, imigrantes e os trabalhadores mais pobres subalternizados e com o aprofundamento das políticas neoliberais. Por isso, as lutas LGBTI pelo mundo são parte importante das lutas anticapitalistas. Devemos seguir nos organizando para a derrubada do patriarcado, colonialismo e capitalismo!

* Rodrigo, Nadja, Gustavo e César, delegação da Insurgência ao VIII Seminário LGBTI da IV Internacional.