Kiko Llaneras, Borja Andrino e Daniele Grasso, El País Brasil, 15 de janeiro de 2021
O ano de 2021 chega em meio a uma pandemia que continua a elevar seu saldo de mortes: o número oficial acaba de ultrapassar dois milhões de pessoas em todo o mundo. Além disso, o ritmo de expansão das vítimas, longe de diminuir, continua a se acelerar na Espanha, na Europa e em praticamente todos os lugares. O vírus levou sete meses para causar o primeiro milhão de mortes, mas apenas três meses para somar o segundo milhão. Se em meados do ano os mortos estavam em torno de 5.000 por dia, de acordo com estatísticas do Our World in Data e da Universidade Johns Hopkins, agora aumentaram para 13.000. Quase o triplo todos os dias.
Nesse aumento pode haver uma parte de miragem estatística ―porque deve haver países que estão contabilizando suas mortes melhor do que em maio―, mas também é um reflexo da natureza da epidemia: o SARS-CoV-2 se espalha para mais países e se dissemina mais rápido no inverno. Na Europa, por exemplo, há países como Bulgária, Hungria e República Tcheca onde o vírus praticamente não havia chegado até o último trimestre de 2020. Lá as mortes foram apenas algumas centenas no primeiro semestre, mas agora se contam aos milhares.
A velocidade do segundo milhão nos lembra que estamos em uma corrida contra o relógio. Embora a vacina alimente nosso otimismo para o futuro, a realidade imediata é que a imunidade ainda está muito distante. Na Espanha, talvez 10% da população tenha contraído a infecção, de acordo com o estudo de prevalência do Instituto de Saúde Carlos III, ao qual se espera que sejam adicionados os 2% das pessoas vacinadas (ninguém ainda recebeu o tratamento completo). Mas isso significa que a grande maioria continua vulnerável e o vírus ainda pode matar dezenas de milhares de pessoas. É por isso que a vacinação do mundo é uma corrida, logística e política: em que velocidade podemos fabricar, distribuir e vacinar? Se as coisas correrem como esperamos, a taxa de imunização dos países será a mesma em que a pandemia diminuirá. Enquanto isso, a Europa é o continente com mais mortes oficiais, acima de 615.000, seguida pela América do Norte (565.000) e América do Sul (384.000). São as três regiões mais afetadas pelo vírus, todas elas com cerca de 900 mortes por milhão de habitantes. A Ásia registra 354.000 mortes, mas é um continente superpovoado e, na realidade, sua taxa de mortalidade por habitante é 10 vezes inferior.
Três dos quatro países com mais mortes são os EUA (380.000), o Brasil (208.000) e o México (137.000), que além de grandes apresentam uma alta taxa de mortalidade. O quarto é a Índia (151.000), onde a mortalidade é bem menor, mas com 1,3 bilhão de habitantes. Também entre os 10 com mais mortes estão vários países de médio porte onde o vírus tem sido letal: Reino Unido (85.000), Itália (80.000), França (69.000) e Espanha (53.000). Eles estão entre os piores em mortes per capita. O pior índice de mortalidade é na Bélgica, que adiciona 1.700 mortes por milhão (considerando os países com mais de 10 milhões de habitantes). Nessa lista, seguem-se Itália, República Checa, Reino Unido, Peru, EUA e Espanha, todos lugares onde o vírus matou uma pessoa em cada mil habitantes.
É importante considerar esses números como aproximações. Em primeiro lugar, porque nem todos os países têm as mesmas regras para atribuir uma morte ao vírus ―a Bélgica, por exemplo, e ao contrário do que a maioria faz, inclui mortes “suspeitas” em suas estatísticas oficiais, embora não tenham sido confirmadas com um teste de laboratório. Mas também é preciso contar com o fato de que as estatísticas oficiais não serão perfeitas em nenhum país e em alguns serão muito ruins.
Em geral, as mortes por coronavírus serão maiores do que as que constam nos dados oficiais. É algo que sabemos com certeza em lugares como a Espanha, onde os órgãos de registro civil observaram um excesso anormal de 80.000 mortes desde março (em comparação com 2019 em anos anteriores). Nem todo esse excesso será necessariamente por causa da covid-19, mas grande parte, sim. Pelos atestados de óbito da primeira onda, preenchidos por médicos, 95% do excesso está relacionado ao vírus. O mesmo ocorre em países como Itália, Reino Unido e Estados Unidos.
Para se ter uma ideia do impacto da covid-19, basta dizer que está agora entre as principais causas de morte no mundo. Com dados de 31 de dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma ser a sexta patologia dessa lista, no mesmo nível do câncer de pulmão e à frente de Alzheimer, diarreia, diabetes e doenças renais. Uma das principais causas de morte não existia há um ano.
A questão que fica no ar é quando serão ultrapassados os três milhões de mortes e se serão três, quatro ou quantos milhões em 2021. Responder é impossível porque a corrida pela vacina está apenas começando, e embora esteja avançando no Ocidente, não se deve esquecer que o mundo é muito grande. É também uma questão que já ficou sem resposta com o primeiro milhão. Na época, o dr. Mike Ryan, da OMS, disse que o segundo milhão “não era impossível”. Três meses depois é evidente que tinha razão, embora estivesse errado com os cálculos: “Se olharmos para a perda de um milhão de pessoas em nove meses e depois olharmos para a realidade de lançar a vacina em nove meses, é uma tarefa enorme”. Mas a vacina não teve nove meses para evitar o segundo milhão, nem os terá para evitar o terceiro.