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Povo porto-riquenho sai à rua contra sexismo, homofobia, austeridade e corrupção

23 de julho de 2019

Por Pierre Gottiniaux*

Um escândalo envolvendo governantes levou dezenas de milhares às ruas da ilha caribenha nas últimas semanas, para exigir a renúncia do governador Ricardo Rossello, amigo de Trump. “Ricky, renuncia!”, gritaram os manifestantes.

11 de julho, uma fonte anônima publicou diálogos pessoais do governador de Porto Rico no aplicativo Telegram. Dois dias mais tarde, o Centro de Jornalismo de Investigação de Porto Rico publicou-as na internet, revelando mensagens de um tom profundamente misógino e homofóbico, enviadas pelo governador Rossello, que tem ligações pessoais a Donald Trump, e por vários políticos próximos dele. Dois dos implicados demitiram-se imediatamente após a publicação, nomeadamente o secretário de Estado Luís Rivera Marín. Mas isto não bastou para acalmar a cólera da população, que começou a juntar-se na rua a partir do momento em que o escândalo se fez público.

As manifestações atingiram seu ponto alto em 17 de julho, com quase 100 mil pessoas nas ruas de San Juan, a capital, quando o consórcio de jornalistas revelou uma “rede de corrupção de vários milhões de dólares”, envolvendo várias empresas públicas.

Porto Rico é uma colônia dos Estados Unidos. Desde 2016, o “estado” está sujeito ao controle de um conselho de supervisão financeira (Financial Oversight Board) instaurado pela lei Promessa (Puerto Rico Oversight, Management and Economic Stability Act), aprovada na época da administração Obama. O objetivo desse conselho de representantes não eleitos é instaurar um plano de reembolsos aos credores da ilha (principalmente grandes fundos de investimento norte-americanos), por meio da aplicação de um plano radical de austeridade que inclui o encerramento de escolas, enormes cortes nas aposentadorias e pensões e sobretudo o veto a qualquer investimento na economia local, nas infraestruturas ou nas políticas sociais.

Foi sob esse tacão dos EUA, e ilustrando perfeitamente a Teoria do Choque de Naomi Klein, que a ilha foi devastada, duas vezes consecutivas, por furacões que causaram enormes estragos, mataram mais de 3 mil pessoas e destruíram a rede elétrica. Foram precisos mais de 11 meses para restaurar a eletricidade em toda a ilha, o que fez crescer ainda mais o número de vítimas resultantes do furacão, da falta de manutenção da rede e das escolhas catastróficas feitas durante a gestão da crise. As revelações do consórcio de jornalistas confirmaram largamente negociatas até com doações às vítimas das catástrofes climáticas.

Para restaurar a rede elétrica, de propriedade da empresa pública Prepe (Puerto Rican Electric Power Authority), a companhia assinou um contrato com uma empresa que não tinha qualquer experiência na região, mas que mantinha laços estreitos com o secretário do Ministério do Interior estadunidense, Ryan Zinke. O contrato acabou por ser anulado e novo contrato foi assinado com uma empresa ligada ao gigante das energias fósseis Mammoth Energy Services, apesar de a situação na ilha e a sua exposição aos furacões terem demonstrado à saciedade que é necessário recorrer à produção local de energias renováveis.

Ricardo Rossello certamente não conseguirá resistir a esta vaga de descontentamento. Os seus adversários políticos já estão preparando um recurso judicial para tentar abrir um processo de impeachment. Claro que isto não anulará o mal já feito, nem mudará o programa do conselho de supervisão financeira, que prosseguirá na sua rota de austeridade, a favor dos credores da ilha, que dela sacam lucros monumentais. Entretanto, a época dos tornados está agora a começar…

(*) Publicado originalmente em cadtm.org. Tradução para português de Rui Viana Pereira