Bei Han, Esquerda.net, 18 de setembro de 2020
Lu Yuyu saiu da prisão a 14 de Junho, após quatro anos de encarceramento. As pessoas que ainda se lembram do seu nome são provavelmente poucas e dispersas. Qual foi o seu crime? Gerir com Li Tingyu, sua companheira na altura, a partir de casa na província de Yunnan, uma conta de rede social chamada “Notícias que vale a pena saber” (非新聞). A partir de 2013, começaram a registar meticulosamente as revoltas de base na China. Desde greves laborais a protestos contra empregadores “Notícias que vale a pena saber” verificou estes factos em detalhe com referências cruzadas a múltiplas fontes online.
Lu e Li arquivaram registos diários de resistência que doutra forma teriam sido esquecidos; analisaram sistematicamente estas ações numa base mensal e anual. Esta informação parecia bastante inócua, mas levou à sua detenção, em 2016. Um ano mais tarde, Lu foi condenado a quatro anos de prisão pelo crime de "incitar conflitos e criar problemas" e Li permaneceu em liberdade condicional até à sua libertação, em 2017. A conta "Notícias que vale a pena saber" no Twitter deixou de funcionar a 15 de Junho de 2016, sendo esta a última vez que foi atualizada antes de Lu e Li terem sido presos.
Tal como a China se tornou "a fábrica do mundo", também se tornou um epicentro global das revoltas da classe trabalhadora. Nos últimos vinte anos houve tantas ações deste tipo que o governo e mesmo os académicos deixaram de recolher estatísticas sobre estes factos. A responsabilidade pelo registo destes protestos recaiu então sobre jovens como Lu e Li. As contradições sociais causadas pelo capitalismo na China manifestaram-se num rápido aumento das disputas de terras, dos conflitos laborais e da luta urbana contra o poder governamental.
A última contabilidade mensal da "Notícias que vale a pena saber" registou 2.001 manifestações até Abril de 2016, incluindo um incidente envolvendo mais de 10.000 pessoas e 236 incidentes que resultaram em severa repressão policial com pelo menos 2.782 detenções. No seu último resumo anual de 2015, "Notícias que vale a pena saber" registou 28.950 marchas, manifestações, comícios e outros incidentes, com uma média de 79 por dia, um aumento de 34 por cento face a 2014. As manifestações mais frequentes foram feitas por trabalhadores, com mais de 100.000 incidentes deste tipo num ano. A maioria foi liderada por trabalhadores da construção civil, seguidos por protestos de trabalhadores das indústrias de produção, transformação e serviços. O principal catalisador para as manifestações foi o não pagamento de salários. Para além de proprietários e agricultores, pessoas de vários sectores, de investidores a estudantes, empresários, estudantes e pais participaram em centenas de milhares de protestos nos últimos anos.
Os dados recolhidos pela "Notícias que vale a pena saber" representam apenas uma fração das revoltas diárias que ocorrem na China. E, no entanto, teve um impacto significativo no mundo exterior. Por um lado, os arquivos de Lu e Li foram uma das principais fontes de dados utilizados pelo China Labor Bulletin, uma ONG com sede em Hong Kong, para mapear as greves laborais na China. Durante muitos anos foi considerada uma prova fiável de um movimento florescente de trabalhadores na China continental e foi também citada por numerosos meios de comunicação social internacionais.
Artigo publicado originalmente em lausan.hk e republicado por Viento Sur. Traduzido por António José André para Esquerda.net