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Secas e re-existências neste Nordeste em Transe

2 de julho de 2020

Marília Souza Santos

A Insurgência em Sergipe, através da idealização e mediação de Vinicius Oliveira (comunicador, militante insurgente e do Movimento TUDO para TODOS), começou a realizar uma série de lives intituladas “Nordeste em Transe” como uma forma de discutir o território Nordeste, seus significados, suas resistências e sua importância histórica para o país. O primeiro convidado, na noite do dia 30/06/2020, foi o advogado, militante dos Direitos Humanos e Deputado Estadual pelo Ceará, o companheiro Renato Roseno, com um bate-papo sobre “Secas e Re-Existências: vida e morte Severina no Nordeste 2020”. Além de uma aula de história sobre a construção do Nordeste, os companheiros tocaram em assuntos caros para a militância como a exploração dos recursos e a precarização da vida dos povos do Nordeste.

O Nordeste vem sendo estigmatizado e estereotipado como a região que precisa urgentemente de desenvolvimento e assistencialismo por meio da ação que Roseno chamou de afinidade seletiva dos Governos, que atravessam decisões de implantação de agronegócio e hidronegócio sempre que podem, sob a falácia da busca pelo desenvolvimento regional. Essas falsas ações, não significam nada mais do que a ideia de como a elite pode lucrar ainda mais com a exploração indiscriminada de território, recursos e vidas no Nordeste. “Aquilo que se chama desenvolvimento é uma chave para acolher mais capitalismo no território”, afirmou Roseno.

Um exemplo recente dessa exploração é o PL 4162/2019 (novo marco legal do saneamento), que foi aprovado no Senado por 65 votos a favor a 13 contra, no dia 24/06/2020. Desses votos favoráveis, 17 foram de Senadores eleitos pela região Nordeste, desenhada nacionalmente como uma região de secas e pouco acesso à água potável. Além disso, das diversas usinas hidrelétricas construídas no Brasil, pelo menos 12 delas se concentram na região geográfica do Nordeste, impactando comunidades ribeirinhas, pescadores, indígenas e quilombolas sob o argumento do desenvolvimento que nunca chega àqueles que realmente necessitam.

A preocupação dos que lucram com esses empreendimentos não é o cuidado com o território, principalmente porque a proposta de privatização da água não vai facilitar à vida de pequenos agricultores e pessoas que não têm acesso à água potável atualmente, mas que sonham em conseguir um dia. Essa decisão dos senadores é uma forma de dizer que não só não conseguirão, como que para ter acesso à água vai ser preciso pagar caro e muitos não podem nem pagar o mínimo. Essa aprovação prejudica o desenvolvimento humano no Nordeste e em todo o Brasil, mas enche os bolsos de poucos que lucram com a precarização da vida humana e com o desrespeito às necessidades básicas garantidas pela constituição.


Como bem apontou o camarada Renato Roseno, a seca no Nordeste é a de justiça pela recorrente exploração ambiental no território nordestino como projeto nacional de dominação política e econômica. O Nordeste é marcado pelos genocídios de comunidades indígenas em disputa de terra, assim como de comunidades quilombolas e ribeirinhas em nome de uma concentração de riqueza de poucos. Assim como o “ecocídios”, onde os governantes se organizam para destruir os recursos naturais na busca de um projeto capitalista, fazendo o debate ecossocialista ser cada vez mais importante para a manutenção do território e da vida.


O debate apontou não só as formas sorrateiras que a elite usa para explorar o território, como também como os governos usam de seu poder para precarizar cada vez mais a existência nessa região geográfica. Mas o que não podemos negar é a veia forte que vem do Nordeste, que mesmo com tantas mazelas que nos obrigam a disputar todos os dias nosso espaço como um território essencial para a construção do Brasil, nos torna mais fortes e cooperativos não só com outras pessoas, mas também com a natureza que se faz tão essencial para a sobrevivência. Para além da retratação do nordestino por governantes que só nos vêem como uma sistema para o seu enriquecimento, temos a literatura a nosso favor, mostrando que as “vidas secas” resistem e que somos sim, antes de tudo, fortes.

Marília Souza Santos é jornalista, militante insurgente e nordestina