O novo livro de Thomas Piketty – “Uma breve história da igualdade" (La Nave di Teseo, 400 páginas) – aborda o tema das transformações que só podem ter sucesso por meio de fortes mobilizações e lutas de poder. Piketty é economista francês, diretor de pesquisas na École des Hautes Études en Sciences Sociales e professor na Paris School of Economics.
O jornal La Repubblica, de 18 de novembro de 2021, publicou um trecho da obra. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todas as transformações abordadas neste livro – seja o pacto social, a tributação progressiva, o socialismo participativo, a igualdade eleitoral e escolar ou a saída do neocolonialismo – só podem ocorrer por meio de fortes mobilizações e lutas de poder.
Não há nada de surpreendente nisso: no passado, sempre foram as lutas e movimentos coletivos que favoreceram a substituição de velhas estruturas por novas instituições. Nada nos impede de pensar evoluções pacíficas, acompanhadas de novos movimentos sociais e políticos capazes de mobilizar uma grande maioria de eleitores e de se impor com base em plataformas que contêm transformações ambiciosas, mas a experiência do passado leva a pensar que a mudança histórica de grande amplitude deve passar, muitas vezes, por momentos de crise, de tensão e de confronto.
E, entre os fatores que poderão acelerar o ritmo da mudança, estão, naturalmente, os desastres ambientais. Teoricamente, era de se esperar que a perspectiva das catástrofes, cada vez mais preconizada pelos estudos científicos, fosse por si só suficiente para provocar as mobilizações obrigatórias.
Infelizmente, porém, é provável que somente danos tangíveis e concretos mais devastadores do que os registrados até agora chegarão a zerar a prática atual e a pôr radicalmente em discussão o sistema econômico atual.
Hoje em dia, ninguém pode imaginar de que lado do mundo as novas calamidades se manifestarão, concretamente. Sabe-se que o planeta se dirige rumo a um aumento das temperaturas de pelo menos três graus em comparação com os níveis pré-industriais ao longo de todo o século XXI e que, portanto, somente intervenções bem mais radicais do que as feitas até agora permitirão evitar uma perspectiva dessas.
Com três graus a mais em escala planetária, a única certeza é de que não existe modelo capaz de prever o complexo das reações em cadeia que poderão derivar daí ou a velocidade com a qual as cidades serão submersas pela água e países inteiros devorados por um clima desértico.
Considerando-se as outras formas de degradação em curso, também é possível que os primeiros sinais da catástrofe provenham de outras frentes, como o colapso acelerado da biodiversidade, a acidificação dos oceanos ou a perda de fertilidade dos solos.
De acordo com o cenário mais pessimista, os sinais chegarão tarde demais para evitar confrontos entre Estados por recursos, e será necessário esperar décadas antes de possíveis e hipotéticas reconstruções. Assim como é possível imaginar que os próximos afluxos de sinais que registram a recrudescência de incêndios e cataclismos serão tamanhos a ponto de acelerar uma salutar tomada de consciência e de legitimar uma profunda transformação do sistema econômico e novas formas de intervenção do poder público, como ocorreu com a crise dos anos 1930.
Quando um número suficiente de pessoas se der conta das consequências dramáticas dos processos em curso na própria vida cotidiana, a sua atitude em relação ao livre comércio pode mudar radicalmente. Também é possível prever reações hostis contra os países e os grupos que mais contribuíram para o desastre, começando pelas classes mais prósperas dos Estados Unidos, mas sem esquecer as culpas da Europa e do resto do mundo.
Não será inútil lembrar que os países do Norte do mundo, apesar do percentual limitado de população (cerca de 15% da população mundial, para o conjunto dos Estados Unidos, Canadá, Europa, Rússia, Japão), são responsáveis por quase 80% das emissões de CO2 acumuladas desde o início da era industrial. Esses 80% podem ser explicados pelo fato de que as emissões anuais per capita nos países ocidentais atingiram níveis extremamente elevados entre 1950 e 2000: entre 25 e 30 toneladas per capita nos Estados Unidos, em torno de 15 na Europa. São níveis que atualmente, no início dos anos 2020, começaram a se reduzir, porém, para cerca de 20 toneladas nos Estados Unidos e 10 na Europa.
A questão, por sua vez, é que a China, até o ano 2000, estava abaixo das cinco toneladas, enquanto entre 2000 e 2020 emitiu entre cinco e 10 toneladas anuais per capita. Considerando-se a trajetória observada até aqui, ela chegará a alcançar os níveis de vida ocidentais sem nunca ter passado por emissões per capita tão elevadas quanto as do Ocidente.
Isso se explica, em parte, pelos progressos realizados em termos de conscientização sobre os danos do aquecimento e das novas tecnologias disponíveis. A ideia segundo a qual a “luz verde”, capaz de oferecer uma saída inesperada, teria chegado recentemente ao planeta, no entanto, deve ser redimensionada. Na realidade, mais ou menos desde a Revolução Industrial, estamos bem cientes de que a combustão acelerada de materiais fósseis pode ter efeitos nefastos.
A atenuação dos efeitos do aquecimento climático e o financiamento de medidas de intervenção para os países mais atingidos invocam uma transformação global do sistema econômico e da distribuição das riquezas, um processo que passa pelo desenvolvimento de novas coalizões políticas e sociais em escala mundial. A ideia de que só pode haver vencedores é uma perigosa e anestesiante ilusão da qual devemos nos livrar o mais rápido possível.