Da próxima vez que alguém expressar preocupação com a velocidade surpreendente dos testes para a vacina, mostro a ele que não é justo que demore dez anos, muito pelo contrário. Não são dez anos porque é seguro, são dez anos difíceis lutando contra a indiferença, os imperativos comerciais, a sorte e a burocracia
Mark Toshner, The Conversation/ Business Insider, 7 de dezembro de 2020
Sou fanático por experimentos clínicos. Fico ouvindo pessoas falando sobre o período entre sete e dez anos necessário para se fazer uma vacina e o perigo de acelerar esse processo. A palavra "apressado" costuma surgir, o que deixa as pessoas ansiosas em relação à vacina. Então, como médico que acompanha ensaios clínicos, vou contar a vocês o que fiz na maior parte desses dez anos - e não é muito.
Eu não sou preguiçoso. Faço pedido de financiamentos, que são recusadas, faço novos pedidos, espero por análises, peço novamente financiamentos em outro lugar, às vezes em um círculo vicioso. Quando tenho a sorte de conseguir financiamento para experimentos, passo meses fazendo solicitações aos comitês de ética. Espero as autoridades de regulamentação, presto atenção às mudanças de pessoal nas empresas farmacêuticas e uma "mudança de prioridade" que não envolva mais os meus experimentos e, no final, se tiver muita sorte, passo meu tempo organizando os experimentos: encontrar os laboratórios e treinar seu pessoal, entrar em pânico porque as contratações estão poucas, buscar outros laboratórios. Então, trato de outros aspectos normativos e, por fim, se minha sorte não acabar, posso chegar a uma terapia viável - ou não.
Nesse ponto, o procedimento poderia sofrer atrasos devido a questões de lucratividade ou uma série de outros obstáculos. E nem mencionei os anos que normalmente são necessários para completar os estudos "pré-clínicos", aqueles realizados antes da experimentação em pessoas.
Dez anos para desenvolver uma vacina: não é bom
Portanto, da próxima vez que alguém expressar preocupação com a velocidade surpreendente dos testes para a vacina, mostro a ele que não é justo que demore dez anos, muito pelo contrário. Não são dez anos porque é seguro, são dez anos difíceis lutando contra a indiferença, os imperativos comerciais, a sorte e a burocracia. São barreiras internas ao processo que agora demonstramos serem "fáceis" de superar. É preciso apenas dinheiro infinito, algumas pessoas inteligentes e altamente motivadas, toda a infraestrutura de experimentação do mundo, um pool quase ilimitado de voluntários altruístas fantásticos e alguns legisladores sensatos.
Com todos esses elementos e o tempo se esgotando devido a uma pandemia global que mata alguém a cada segundo, descobrimos que podemos fazer coisas maravilhosas. Os testes da vacina foram, no mínimo, um milagre. Uma revolução na forma de realizar experimentos que, pensando bem, talvez não seja tão surpreendente, dada a nossa capacidade de inovar quando realmente precisamos.
E nós realmente precisamos - a necessidade sendo a mãe da invenção. A segurança não foi comprometida. Todos os experimentos passaram pelas "etapas" ou processos corretos relativos a qualquer medicamento ou vacina normal. Centenas de milhares dos melhores entre nós se ofereceram para receber uma vacina experimental. O mundo supervisionou tão de perto que todos discutiam quando uma única pessoa ficava doente.
Até o momento, não houve uma única morte associada às vacinas da Covid e apenas alguns eventos potencialmente graves surgiram. Imaginem observar todos os habitantes de uma cidade por seis meses e relatar cada ataque cardíaco, derrame, patologia neurológica ou qualquer coisa que possa ser considerada grave. Isso é surpreendente? Foi um triunfo para a ciência médica.
E nem mesmo falei da afortunada confluência de tempo que fez tudo acontecer em um momento em que o sequenciamento de todos os genes de uma pessoa ou de um vírus é tão comum que ninguém mais dá atenção a ele. Tudo isso levou a uma incrível aceleração da pesquisa científica pré-clínica anterior, necessária como pedra fundamental para muitas novas tecnologias que chegaram ao ponto certo para serem desfrutadas.
Neste momento, já surgiram três vacinas que mostraram uma maior eficácia do que esperávamos. As autoridades reguladoras estabeleceram o padrão em cerca de 50%. Tanto a Moderna quanto a Pfizer relataram eficácia de 95%, e a Universidade de Oxford relatou eficácia de 90% para um determinado regime de dosagem. Os dados de segurança ainda não foram divulgados, mas as experiências anteriores com as vacinas são excelentes e eu sou um otimista.
Nenhuma das opções acima se destina a minimizar os desafios que ainda nos aguardam. Nem significa que as vacinas ainda não tenham que responder a perguntas sobre questões de segurança. Mas foi um triunfo de bons procedimentos e de boas pessoas.
Estou confiante de que, quando as autoridades reguladoras verificarem os dados de segurança e eficácia, seguidos de perto por todos os cientistas interessados no mundo, as vacinas só serão usadas se seus benefícios superarem claramente os riscos - e vocês também deveriam estar confiantes.
Mark Toshner é diretor de Pesquisa Biomédica Translacional da Universidade de Cambridge, em artigo publicado por The Conversation e reproduzido por Business Insider, 07-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini. Reproduzido do IHU-Unisinos.