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Fazer do PSOL terra indígena

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Vereadora Lu Pataxó; Cacique Manoel Muniz; Cacica Ilza Pataxó Hã hã hãe; Tallon Macuxi; Meirinha Macuxi; Adizon Macuxi Tuxaua; Anita Taurepang; Alzemiro Wapichana; Larissa Pankararu; Gil Puri; Gustavo Belisario; Ingrid Martins; Well Leal; Gabriel Hardt; Davidson Brito e Cesar Fernandes.

Nosso partido tem trilhado um caminho lento, mas progressivona articulação de suas fileiras com o movimento indígena. Consideramos um acerto a co-candidatura à presidência do Brasil em 2018 pelo PSOL, que alçou Sônia Guajajara - dirigente histórica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB - e da APIB, a uma representação nacional do nosso programa partidário. Vivemos desde lá uma possibilidade de diálogos entre os acúmulos do partido e da APIB, em que pese muitas vezes isto não tenha acontecido por falta de iniciativa do PSOL.

Quatro anos depois, as vitórias eleitorais de SôniaGuajajara, por São Paulo, e Célia Xakriabá, por Minas Gerais, como deputadas federais pelo PSOL, significaram um passo importante. Ambas têm sido fundamentais na denúncia do racismo ambiental, na defesa dos territórios e na articulação de políticas públicas voltadas para os povos originários. Nesse mesmo sentido, as eleições de Lu Pataxó (Pau Brasil-BA) e Ingrid Sateré Mawé (Florianópolis-SC), em 2024, apontam que seguimos no caminho certo, ainda que longe de ser suficiente para garantir as transformações estruturais necessárias no PSOL e na política.

Para que o partido seja de fato um instrumento deorganização popular, é cada dia mais urgente que não seja apenas um aliado passivo da luta indígena, mas sim um polo ativo na elaboração de políticas públicas, na formação de lideranças indígenas dentro do próprio partido, na resistência contra os ataques aos povos originários, como os impactos da exploração predatória de combustíveis fósseis e megaprojetos de energia, a exemplo da pesquisa sobre petróleo na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. Nosso partido precisa dar um passo adiante e superar seu estágio de “simpatizante” da causa indígena e se tornar, de fato, um partido indígena, no sentido de garantir espaço, estrutura e centralidade às pautas dos povos originários em sua atuação. Isso significa não apenas apoiar as reivindicações do movimento indígena, mas incorporar essa luta como parte fundamental do seu programa e da sua identidade política.

A REORGANIZAÇÃO DA ESQUERDA PASSA PELO MOVIMENTO INDÍGENA
Um programa de um partido de esquerda no Brasil deve tercomo um dos eixos centrais da sua elaboração o reconhecimento da violência colonial que foi instituída no país desde a invasão dos portugueses a partir de 1500. Foram os povos indígenas que aqui estavam -junto com os povos negros sequestrados do continente africano e escravizados aqui – que protagonizaram as principais lutas e revoltas da história brasileira. Hoje, como antes, a reorganização da esquerda passa pelo movimento indígena e suas pautas são fundamentais para a elaboração de um futuro ancestral para o país.

O Estado brasileiro perpetuou a lógica colonial notratamento dispensado aos povos indígenas, implementando políticas sistemáticas de genocídio e de apagamento cultural. O sangue indígena derramado nos conflitos por terra contemporaneamente é o mesmo que tombou durante a Inquisição ou durante a ditadura militar. Segundo apurações da Comissão
Nacional da Verdade, estima-se que mais de 8.300 indígenas tenham sido mortos durante o período militar.

Além do extermínio físico, o Estado também utilizouinstrumentos de tutela e políticas de assimilação forçada para enfraquecer o movimento indígena, em continuidade às práticas missionárias de evangelização. A partir de uma lógica evolucionista, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) atribuía a si uma missão “civilizatória”, que buscava integrar os povos indígenas à cultura nacional hegemônica. Substituído pela FUNAI em 1967, esse aparato tutelar infantilizava e negava a autonomia dos povos indígenas, uma lógica que só foi formalmente rompida com a promulgação da Constituição de 1988. A nova Carta reconheceu os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas e garantiu o respeito às formas próprias de organização social, línguas, crenças, costumes e tradições.

Apesar desses avanços, a redemocratização não foi suficientepara frear a violência contra os povos indígenas. Um dos maiores ataques aos seus direitos foi a formulação da tese do Marco Temporal, que limita o reconhecimento das terras indígenas apenas àquelas ocupadas na data da promulgação da Constituição — 5 de outubro de 1988. Tal interpretação ignora séculos de violência, expulsões e deslocamentos forçados. Mesmo governos progressistas pós-1988 falharam em priorizar a pauta indígena, muitas vezes colocando grandes projetos desenvolvimentistas, como Belo Monte, acima dos direitos desses povos.

Mas, certamente, o período mais crítico desde aredemocratização foi o governo fascista de Jair Bolsonaro. A extrema-direita elegeu os povos indígenas como inimigos diretos e Bolsonaro prometeu, ainda em campanha, que não demarcaria “nem um centímetro” de terra indígena — promessa que cumpriu à risca. Mais do que isso, seu governo promoveu um ataque sistemático aos territórios indígenas, culminando em uma crise humanitária na Terra Yanomami, alimentada pela mineração ilegal, a grilagem e a violência armada no estado de Roraima.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, foicriado o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), ocupado por Sônia Guajajara. Sua gestão tem sido marcada por iniciativas importantes de fortalecimento dos direitos indígenas e representa um marco histórico no país. O PSOL, acertadamente, reconheceu essa importância em sua resolução de 2022 sobre composição do governo. No entanto, Sônia tem enfrentado inúmeras barreiras — tanto externas quanto internas — que vão desde o avanço do agronegócio e da extrema-direita golpista, até a resistência institucional de setores do próprio governo.

Mas os povos indígenas não ficaram passivos frente a todosesses ataques. Desde 2004, foram organizados anualmente os Acampamentos Terra Livre para pautar a agenda indígena frente aos poderes em Brasília. O que começou com pouco mais de uma centena de indígenas em 2004, no último ATL foram mais de 7 mil indígenas que se mobilizaram de todas as regiões do país. A APIB organiza as caravanas vindas das mais diversas terras indígenas do país em termos das línguas, etnias, culturas. Em Brasília, os ATLs possuem atos, danças, rodas de conversa e impulsionam debates críticos aos modelos de desenvolvimento predatórios da natureza.

A trajetória dos ATLs vêm sendo marcada historicamente pelo fortalecimento de determinados sujeitos políticos, expresso pela presença de muitas mulheres na liderança. Isso se materializa, por exemplo, em diversas intervenções regionais e de base coordenadas por mulheres, além de atividades realizadas em todos os dias do Acampamento pela Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade - ANMIGA, fundada em 2021.

Podemos dizer ainda que o ATL 2025 foi muito marcado pelo protagonismo de indígenas LGBTI+. Com uma programação própria, que incluiu reuniões auto-organizadas de indígenas trans, travestis e não-binários; seminário, noite cultural e ato-manifesto, o movimento LGBTI+ protagonizou com espaços dinâmicos, potentes e com muita disposição para organizar sua intervenção. A luta contra a LGBTI+fobia fora e dentro das aldeias parece cada vez mais expressiva e corajosa. Especialmente impulsionada por jovens, a discussão coloca em evidência os efeitos das violências físicas e emocionais e os impactos da monocultura de gênero e sexualidade imposta pela colonização.

A carta final do ATL 2025 reafirmou que não há saída para acrise climática sem a demarcação das terras indígenas e a proteção dos modos de vida tradicionais, apontando a exclusão indígena das decisões sobre a COP 30 como mais uma expressão do colonialismo ambiental que transforma territórios originários em vitrine internacional, mas silencia suas vozes e invisibiliza suas pautas. A resposta do movimento indígena foi a criação da Comissão
Internacional Indígena para a COP 30, construída de forma autônoma pelas organizações e lideranças, para garantir que os povos originários estejam não apenas presentes, mas no centro das negociações climáticas.

O sujeito revolucionário desloca-se da figura clássica daclasse operária sindicalizada — central na tradição marxista — para os povos originários e comunidades tradicionais, que emergem como protagonistas na luta contra o capitalismo destrutivo e ecocida. O ecossocialismo, enquanto corrente crítica que articula justiça social e sustentabilidade ambiental, reconhece nesses grupos uma força revolucionária que desafia o paradigma produtivista e antropocêntrico do capitalismo global. Ao defender modos de vida pautados na reciprocidade com a natureza, na coletividade e na autonomia territorial, os povos originários e comunidades tradicionais encarnam uma alternativa concreta ao modelo de desenvolvimento hegemônico, tornando-se, “os guardiões de umaracionalidade ecológica e anticapitalista”¹. Nesse sentido, oecossocialismo não apenas os apoia, mas se reinventa a partir de suas práticas e saberes, reconhecendo que a revolução do nosso tempo será também uma revolução da Terra.

Adotar uma práxis ecossocialista na defesa dos povosindígenas é essencial para enfrentar as múltiplas crises ambientais e sociais que ameaçam nossas existências. A luta pela justiça ecológica está intrinsecamente ligada à justiça social, valorizando os saberes ancestrais, os modos de vida sustentáveis e a relação harmoniosa com o meio-ambiente. Ao combater o extrativismo predatório e o capitalismo destrutivo, o ecossocialismo propõe uma transformação estrutural que coloca a vida — humana e não humana — no centro das decisões políticas e econômicas, promovendo a autonomia dos povos originários e a preservação dos territórios que são pilares da biodiversidade planetária.

AS BANDEIRAS E TAREFAS DO PSOL FRENTE AO MOVIMENTO INDÍGENA
Acreditamos que o PSOL precisa tratar de alguns pontosimportantes para se tornar cada vez mais um partido de referência da luta indígena, de forma transversal às correntes ou campos internos.

1 - Combater a lógica alegórica e exotizada das figurasindígenas candidatas: muitos quadros do partido são procurados apenas para as fotos e aparições como “representatividade”, mas não se sentem ouvidos nas formulações internas ou prioridades eleitorais;

2 - Garantir a compreensão de que as cotas para pessoasnegras para as direções estaduais e municipais podem e devem também incluir indígenas. É preciso reforçar a presença de indígenas na direção;

3 - Fomentar através da Fundação Lauro Campos MarielleFranco o incentivo à produção teórica e política de indígenas do PSOL, além da criação de cursos temáticos voltados para os/as filiados/as indígenas do PSOL;

4 -Ter política de incentivo às candidaturas indígenas doPSOL, com plataforma de apoio e formação para os indígenas e sua equipe. Parte dos conhecimentos sobre a dinâmica partidárias e eleitorais precisam ter apoio das direções locais, sobretudo estaduais, principalmente em campanhas dentro de territórios indígenas;

5 – Combater visões essencialistas do que significa serindígena, comumente atreladas a um fenótipo específico ou a visões congeladas da cultura e modos de vida. É preciso considerar as formas plurais de ser indígena e seus significados nas distintas regiões do país, sempre respeitando as dinâmicas de reconhecimento coletivo de cada povo ou etnia. As pessoas indígenas são também, trabalhadores, mulheres, LGBTI+ e PCD’s;

6 - Incentivar a organização política da militância indígenado PSOL, por meio da criação da Setorial Indígena do Partido, incluindo aportes financeiros e organizativos para a estruturação da instância;

7 – Formular desde uma perspectiva internacional eanticolonial sobre políticas de educação escolar indígena, saúde indígena, assistência social e combate à fome, direitos das crianças e adolescentes, acesso à Justiça.

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