Francisco Louçã, Esquerda.net, 21 de agosto de 2020
Quatro universidades europeias, incluindo a Nova de Lisboa, realizaram uma sondagem em sete países sobre a disposição para tomar a futura vacina contra a Covid. A amostra é pequena (mil pessoas, em média, por país), mas, consoante o rigor, pode ser indicativa. No caso português, 75% das pessoas ansiariam pela vacina, 18% não sabem se a querem tomar e 7% recusam-na. Nos outros países, há mais gente a recusar a vacina (19% na Alemanha e 20% em França) e, de abril para junho, a percentagem de quem se quer vacinar terá diminuído em todos os países. De onde vem este medo ou rejeição da vacina?
Há pelo menos duas respostas possíveis. A primeira é a das teorias da conspiração, que são um universo pujante: o Bill Gates quer inocular um microchip em cada pessoa, a maçonaria quer que todos fiquemos doentes, e outras maldades avulsas. Pululam na extrema-direita, como em Portugal, e em alguns países, como em França, ganharam um corpo de notoriedade que arrasta pelo menos um quinto da população.
Mas é a segunda forma do movimento antivacina que quero destacar hoje, a da reivindicação liberal contra o intervencionismo de políticas sanitárias públicas.
A revista “The Economist” lembrou, por estes dias, a sua própria posição quando, nestas matérias, o liberalismo ainda fazia lei. Assim, em 1849 a revista fez campanha contra a quarentena, quando de surtos infecciosos, a pretexto de que o contágio das doenças seria uma crendice injustificada: “A crença no contágio, como a crença na astrologia e feitiçaria, parece destinada a desvanecer-se; e à medida que nos vemos livres de regulamentos que nos indicam que consultemos as estrelas e respeitemos os presságios antes de decidirmos algum empreendimento, e de todas as leis que contrariam que se alimentem os espíritos malignos e punam as bruxas, assim deixaremos de ter dúvidas de nos vermos livres dos regulamentos que impõem a quarentena, que foram estabelecidos na base da velha crença no contágio.” Cinco anos depois, um editorial do “The Times” exprimia a mesma ideia, de modo mais panfletário: “Preferimos arriscar-nos com a cólera do que ser pressionados a aceitar a saúde [a política sanitária].”
A noção de que a aceitação de regras sanitárias é uma escolha individual foi então a base ideológica da campanha liberal contra as vacinas. E, no entanto, nesses anos já se conhecia detalhadamente o processo clínico e o efeito devastador das epidemias e das doenças contagiosas. Em 1842, um relatório de um advogado, Chadwick, que se empenhou no combate à insalubridade da vida dos pobres em Londres, revelou que a esperança média de vida dos comerciantes era de 22 anos e a dos operários de 16 anos. Segundo ele, a causa das mortes eram os “miasmas”, os micróbios gerados nos tugúrios em que se albergava a população, ou seja, o contágio das doenças.
Com a lenta imposição de regras sanitárias e da mudança das condições de habitação, até ao fim do século a esperança média de vida subiu seis anos nas cidades britânicas, 10 anos em Paris, 20 em Estocolmo. Depois, no século XX, as vacinas começaram a salvar pessoas e, com a melhoria da saúde pública, chegamos hoje a esperanças médias de vida de mais de 80 anos.
Bem-vinda seja a vacina.